Categoria: Reflexão

  • Reflexões sobre o Tempo e a Maturidade

    Reflexões sobre o Tempo e a Maturidade

    Se existisse um botão de reversão para colocar a vida em câmera lenta, eu o teria acionado muitas vezes. Não para reviver os instantes de glória — esses, curiosamente, quase nunca pedem replay —, mas para observar nos detalhes miúdos aquilo que me fez ser quem sou.

    Eu me veria aos vinte e dois, confuso e arrogante, e talvez chorasse ao perceber que estava mais perdido do que imaginava. Aos dezesseis, preocupado com o que ainda não tinha chegado, como se a vida fosse uma ameaça prestes a se cumprir. E aos dez, ah, aos dez eu já temia o futuro como uma sombra inevitável, mas ainda guardava a coragem ingênua de quem acha que pode driblá-lo.

    Nesse exercício de rebobinar a fita — e olhe que nem sei se ainda fabricam aparelhos para isso — eu abraçaria aquele menino solitário que fingia não ligar para o abandono. Guiaria o adolescente ansioso, que achava que o mundo ia desmoronar a cada silêncio, a cada porta fechada. Talvez desejasse tudo ao contrário, talvez me arrependesse de não ter sido mais rápido, mais ousado, mais imprudente. Mas, com honestidade, acho que eu teria sido apenas menos demorado.


    ​A vida, no entanto, não oferece botão de pausa, nem controle remoto. No máximo, nos entrega ressacas de dias inteiros para lembrar que já não somos os mesmos. Em algum ponto entre a primeira ruga e o primeiro fio branco, a gente aprende que mudar não é sinônimo de curar. A infância se despede quando finalmente criamos coragem para dormir no escuro. A juventude vai embora com aquela euforia de achar que todo erro pode ser corrigido ao amanhecer. E a maturidade… bem, a maturidade nos cobra juros altos: resignação, paciência forçada e uma certa frieza diante de agonias que já não têm energia para se manter vivas.


    ​O que me intriga é: quando foi que eu deixei de chorar como antes? Em que momento os prantos, tão fartos e quase teatrais, deram lugar a uma espécie de silêncio cínico, como quem assina um contrato sem ler as cláusulas? Há quem diga que é sabedoria. Eu, desconfiado, prefiro chamar de desistência elegante.


    ​O tempo cura? Dizem que sim. Mas nem toda transformação é cura. Às vezes, é só maquiagem: a dor não some, apenas troca de roupa. E então nos convencemos de que seguimos em frente quando, na verdade, só mudamos o ângulo da ferida.


    ​Ainda assim, há uma beleza amarga nisso tudo. Porque viver é se surpreender com a própria resistência. É descobrir, meio sem querer, que já não se teme o escuro, mas se teme perder a luz. Que já não se sofre por pequenas rejeições, mas se aprende a conviver com os silêncios maiores, aqueles que ninguém poderá preencher.


    ​Se eu tivesse o tal botão, talvez recuasse até os dez anos só para avisar àquele garoto que o medo nunca desaparece — ele apenas muda de máscara. Talvez fosse até os trinta e seis para me dizer que o orgulho de ter chegado até aqui vale mais do que a coleção de fracassos no caminho. Mas, sem botão, resta o que sempre restou: seguir tropeçando, rindo de si mesmo e tentando dar algum sentido a essa metamorfose interminável que chamamos de vida.