Categoria: Reflexão

  • Um Chá com Freud e Rubem Alves

    Um Chá com Freud e Rubem Alves

    A Fome da Eternidade

    Embora seja uma alma melancólica — e, pior, consciente dessa condição crônica — tenho a convicção de que meus dias terminarão em eterna languidez. Ainda assim, reverencio os instantes fugazes de alegria. São minhas válvulas de escape.

    Hoje, por exemplo, corri cerca de 7 km. Os dois primeiros são sempre um teste de paciência, mas depois a mágica acontece: entro em piloto automático e poderia seguir por horas, se o corpo permitisse. É a endorfina agindo, uma sensação que eu gostaria que fosse eterna. Mas desejo essa eternidade apenas para momentos específicos como esse.

    A vontade não é de viver para sempre, mas de eternizar o instante. É um tipo de alegria tão plena que nos faz flertar com a imortalidade.

    Dias atrás, lia Pimentas, de Rubem Alves — um autor que idolatro não apenas como escritor, mas como ser humano. Sua crônica Alegria e Tristeza foi a fagulha que faltava para este texto.

    Nela, Alves cita duas fomes descritas por Freud (lê-se Fróide, embora eu tenha sobrevivido anos falando Frêudi): a fome de conhecimento e a fome de prazer. Alves, porém, acrescenta uma terceira: a fome de alegria, lamentando não ter podido discutir o assunto com o psicanalista.

    Ouso entrar nesse duelo de gigantes propondo uma quarta fome: a da eternidade. Às vezes, me imagino sentado à beira do Rio Capibaribe, tomando um chá com os dois e expondo minha tese. Eles, atentos, concordam que faz sentido. Mas o devaneio se dissolve, e eu volto para escrever.

    Com exceção dos apedeutas, o conhecimento é vital para a sobrevivência da espécie. O prazer também, pois sem ele talvez estivéssemos condenados à autodestruição. Já a alegria, esses lampejos de felicidade, nos dá a sensação de que é possível existir em paz, ainda que momentaneamente.

    E, no entanto, tudo acaba. Pode isso?

    Para Yuval Noah Harari, talvez não. Em Homo Deus, o que mais me fascinou foi a análise do homem do futuro: um ser que lutará pela imortalidade.

    Embora trate do avanço tecnológico, levo a questão para um plano existencial. A busca pela vida eterna é a fome do século XXI. O aumento da expectativa de vida e os corpos rejuvenescidos dos cinquentões alimentam essa esperança.

    As religiões prometem o além, mas quem quer arriscar? Vai que a fé não tenha sido suficiente. As pessoas querem viver — e bem — por aqui mesmo. Nesta terra que alguns ainda insistem em chamar de plana.

    Eu até gostaria da eternidade, mas apenas para sentir o prazer da corrida. Fora isso, aceito descobrir o plano espiritual por minha conta e risco.

    Mas para os que anseiam pela imortalidade terrena, fica a questão: em qual idade estacionar?

    Se escolhesse os 45, será que, aos 200 anos, já teria enjoado desse corpo? Vampiros da ficção também sofrem com esse dilema, pois precisam camuflar-se entre mortais. Pensando bem, talvez uma vida física sem fim seja puro tédio. Prefiro viver como luz, entre iguais, e não como matéria pesada que se arrasta.

    A eternidade que basta

    O desejo pela eternidade, porém, nem é consenso. Uma colega, certa vez, achou horrível a ideia de sentir prazer para sempre. “Que coisa chata e monótona”, disse. Pensei comigo que talvez a dor lhe fosse mais íntima, mas não a julguei — ao menos, não em voz alta.

    No fim, espero que os famintos de eternidade pensem bem antes de dar esse passo. Eu já pensei. E decidi que, se a eternidade existir, quero que ela se resuma ao instante em que o coração dispara — e não ao tédio de um corpo que não termina.