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  • O dia em que fui amante sem saber

    O dia em que fui amante sem saber

    Uma crônica de paixão, desilusão e novela mexicana da vida real

    Algumas histórias da minha agitada vida dariam facilmente uma novela mexicana.
    E eu posso provar.

    Para alguns, isso pode soar como clichê. Para mim, é apenas a confirmação de que nasci para o estrelato — com trilha sonora, figurino e drama em três atos.


    O surto chamado paixão

    Apesar da luta por cima de batalha diária que colecionei ao longo da juventude, foi aos 22 anos que conheci o que o povo romântico chama de paixão.

    Eu, particularmente, prefiro classificá-la como uma enfermidade cerebral. A gente fica tonto sem ter bebido álcool, cego sem catarata, e surdo para qualquer conselho que tente nos alertar sobre o surto que é se apaixonar.

    Ser um jovem gay, ex-evangélico, do interior e nascido numa família machista não ajudava muito na construção da autoestima. Talvez por isso, naquela tarde comum a caminho do Restaurante Universitário da Ruralinda, eu tenha sentido algo raro: fui visto. Desejado, até.

    E ali estava ele — Jamerson. Dois anos mais velho, loiro sarará, da minha altura e com uma masculinidade que beirava o intimidador. Eu, como de costume, me via atraído por esse tipo.

    E como cantava o brega filosófico:
    “…te olhei, me olhou, paquerei, paquerou… daí então, bateu a química…”


    O romance e o mistério

    Jamerson fazia uns serviços braçais no campus. Isso me dava esperança de reencontrá-lo. E reencontrei. Olhares, gestos, sorrisos — até que trocamos um “oi”.

    O romance começou como todo romance começa: com alegrias, promessas e silêncios estratégicos.
    Havia algo que não encaixava — e não era o sexo, nem o gosto pelos bares insalubres de Camaragibe. Era algo oculto. Um mistério digno de Agatha Christie — versão nordestina.

    Um ano se passou. Ele era figurinha carimbada na minha casa. Tudo parecia estável. Até o domingo em que a cortina caiu.


    O teatro da vida real

    Naquele dia, Jamerson me ligou no meu Nokia 3110 C (sim, com toque polifônico) e avisou que iria lá em casa. Meu coração pulou. Eu, feliz da vida, já o esperava.

    Mas quem chegou primeiro foi a tragédia.
    Uma mulher — sim, uma mulher — arrombou a porta com uma voadora digna de ninja e gritou:

    — “Então é aqui que você vem COMER a sua PUTA!?”

    Silêncio.
    Eu paralisei. Ela, não.

    Jamerson, o galã, estava casado.
    E por todo o nosso ano juntos.


    O constrangimento cósmico

    — “Jamerson, o que está acontecendo?” — perguntei, já sabendo.

    — “Meu Deus, você está me traindo com um VIADO!” — ela gritou, sem sequer me olhar.

    Ah, como eu implorei por um disco voador naquele momento. Me abduz, ET! Me leva, Zordon!

    O bon vivant havia enganado os dois. Dois corações. Duas vidas. Dois boletos de terapia.

    Eu, já de saco cheio, desci as escadas e chamei um táxi. Mas não pra mim. Ordenei, com toda classe que me restava, que o Senhor e a Senhora Gomes (sim, descobri até o sobrenome) entrassem no carro e resolvessem suas pendências bem longe da minha porta.


    Epílogo

    E assim, o homem dos meus sonhos… desapareceu.
    Soube depois que continuaram juntos. Estão até hoje, dizem por aí. Vai entender.

    Mas nada como uma primeira — e bem aplicada — desilusão amorosa para deixar a gente mais esperto com a vida.
    Ou, ao menos, para render uma boa crônica.