Uma aventura aos 11 anos, alguns trocados no bolso e muita cara de pau
Voltemos aos longínquos anos 90, mais precisamente a 1996. Eu tinha 11 anos, um topete rebelde e uma alma aventureira em desenvolvimento. Morava em Barreiros, Pernambuco, terra de 40 mil habitantes e uma única empresa de ônibus que ousava conectar os corajosos moradores aos municípios vizinhos.
A linha que eu mais conhecia — quase um laço afetivo — era a Barreiros–São José da Coroa Grande. O ônibus passava religiosamente em frente à casa da minha finada avó, onde eu morava desde o divórcio dos meus pais (que teve mais drama que final de novela das oito).
O ônibus da empresa Cruzeiro era azul e branco, e pra mim parecia um avião sobre rodas. Eu era completamente fascinado por ônibus. Sonhava ser motorista.

O plano perfeito (ou quase)
E então, lá estava eu: franzino, delicado, praticamente um suspiro de criança. Andava devagar, com leveza, quase flutuando — o que irritava profundamente meus parentes mais… rústicos. Mas que culpa eu tinha se nasci com gingado e sensibilidade?
Em compensação, meus olhos, ah… esses não eram nada delicados. Ameaçadores, diziam. Talvez fosse a miopia nunca diagnosticada, talvez fosse pura personalidade. Nunca saberei.
Mas o fato é que decidi que, aos 11 anos, já era hora de expandir meus horizontes. E nada melhor do que começar com uma fuga intermunicipal.
A fuga
Planejei tudo. Fui até o guarda-roupa e saquei discretamente algumas moedas do esconderijo da minha mãe — que fique claro: aquilo não foi furto, foi um adiantamento da pensão simbólica enviada por meu pai.
Fiz as contas: dava pra ir e voltar.
Me vesti com esmero: bermuda listrada, camisa menos rodada e um belo par de chinelos Ryder. Afinal, não se foge com qualquer trapo.
Às 9h55, saí sorrateiramente rumo à parada, a poucos metros de casa. Quando o ônibus apareceu, estendi a mão como um profissional do transporte faria. O motorista parou. Entrei, paguei, passei pela catraca e sentei com a desenvoltura de quem já foi a Maceió de excursão.
A viagem durou uns 20 minutos, mas eu saboreei cada segundo como se fosse uma travessia interestadual.
O grande retorno
Desci na primeira parada de São José da Coroa Grande, inflado de orgulho e de um leve pânico. Eu não tinha celular, GPS, nem mesmo noção do que fazer a seguir. Só tinha o corpo franzino, o olhar ameaçador e duas moedas guardadas no bolso pra voltar.
Do outro lado da rua, umas senhoras esperavam o ônibus de volta pra Barreiros com sacolas e duas galinhas vivas embrulhadas em jornal (não me pergunte).
Aproximei-me com a naturalidade de quem sai pra comprar pão, e quando me perguntaram com quem eu estava, respondi firme, com voz embargada de coragem:
— Minha mãe tá me esperando em Barreiros, e minha tia me deixou aqui.
Mentira. Sozinho, completamente. Mas convicto.
Voltei com a sensação de dever cumprido, como quem diz: “o mundo que me aguarde”.
E ali percebi que desbravar o planeta não era tão difícil. Bastava uns trocados, uma linha de ônibus e um pouco de cara de pau.
Epílogo
P.S.: Levei umas palmadas por “pegar emprestado” o dinheiro? Levei.
Mas o segredo da minha fuga triunfal… esse ninguém nunca soube. Até hoje.
Qual foi a sua primeira aventura sozinho?
