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  • O Sorriso de Servir

    O Sorriso de Servir

    Outro dia, reencontrei Lorena, uma colega que conheci durante os passeios com nossos cachorros. Demos risada, trocamos umas histórias e, no meio da conversa, soltei, meio em tom de brincadeira, meio sério:
    — Minha amiga, eu admiro demais quem trabalha com atendimento ao público. Eu, sinceramente, seria demitido no primeiro desaforo que recebesse.


    Lorena é comissária de voo. Já me contou cada história… Como a vez em que uma passageira resolveu ouvir brega-funk no volume máximo do celular, no meio do voo, e se recusava a usar fones de ouvido — como se o avião fosse o quintal da casa dela. E lá estava Lorena, com aquele sorriso de conveniência, tentando convencer a cidadã de que “não era bem assim”.

    Uma comissária de voo sorridente tenta acalmar um passageiro irritado em um avião, enquanto outros passageiros observam a situação.


    Desde então, comecei a prestar mais atenção. Toda vez que entro num restaurante chique ou encaro a ponte aérea Recife–Rio — uma vez por mês, religiosamente — fico observando. Os garçons, os comissários, os recepcionistas. Como eles reagem aos absurdos do dia a dia? Como conseguem sorrir, manter a voz suave, respirar fundo diante de cada cliente impaciente ou mal-educado?


    Fico me perguntando: será que todos fizeram curso de controle emocional? Terapia intensiva? Ou será que, no fundo, é a necessidade que empurra a gente a interpretar papéis que não ensaiamos, nem queríamos protagonizar?


    Lembro sempre de Armond, o gerente do hotel na série The White Lotus. Um personagem que eu amo e odeio na mesma medida. Sempre sorrindo, sempre com uma resposta pronta na ponta da língua. Ele segura cada humilhação com a elegância de um mordomo britânico — até não aguentar mais. A tentativa de manter a compostura o leva ao fundo do poço, entre álcool, drogas e colapsos nervosos. Um exagero? Talvez. Mas a caricatura revela muito do real.


    Essa busca por parecer calmo enquanto tudo em você grita é um preço caro. Porque, no fim das contas, viver uma rotina que não combina com o que se sente, sufoca. Castra. E sentimentos castrados não morrem — eles fermentam. Um dia explodem.


    Fala-se muito em empatia, em gentileza, em servir bem. Mas se fala pouco da frustração que habita quem serve. Do peso de conter o instinto só pra manter o emprego. A evolução biológica foi lenta, mas a tecnológica nos empurrou pra um mundo onde se exige postura de robô com alma de monge — tudo isso com salário parcelado.


    Queremos conforto, prestígio, um pouco de poder. E pra isso, alguém precisa servir. E o pior: sorrir enquanto serve. Porque no teatro da convivência, não basta trabalhar — é preciso parecer grato por estar ali.
    No fim, todo mundo quer vencer. Mas não vencer a si mesmo, nem a natureza. A vitória que importa é sobre o outro. Ser admirado, notado. Ser o que comanda. Porque o poder, no fundo, é isso: alguém te olhar e saber que, naquele palco, você não é o figurante da história.

    E você, já precisou sorrir quando tudo em você gritava?