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  • Eu Avisei

    Eu Avisei

    Brigadeiro é bom. Mas nada se compara ao sabor de dizer: “Eu avisei”.


    Isso é meu ouro olímpico.
    E ainda tem a versão premium:

    — “Eu avisei que isso ia acontecer. Com todo o respeito.”


    As madrugadas

    Alisson, um amigo carioca, era meu parceiro no turno das seis à meia-noite. Eu largava, ele seguia até de manhã. Viramos confidentes.

    O cara tinha talento: contava histórias como quem serve caipirinha — sem miséria. Lia novelas mexicanas em voz alta, e eu parecia criança em capítulo final de Dragon Ball: não piscava.

    Nosso navio era tranquilo. O maior inimigo era o sono. E o tédio. Mas até isso ajudava: dava palco pra quem gosta de inventar história.


    Meu faro de encrenca

    Desde 2017 eu estava fora das redes sociais. Oito anos. Só usava status do WhatsApp para postar corrida e selfie de academia. E tinha uma regra de ouro: bloquear qualquer colega de bordo que pedisse meu número.

    — Imagina fulaninho me vendo suado, fazendo pose de bíceps no espelho? — jamais.

    Alisson ria da minha paranoia. Dizia que eu era exagerado, que as pessoas eram boas, que o mundo era menos amargo. Eu concordava por fora, mas por dentro já afiava meu troféu: queria dar a lição.

    Até que um dia ele me mostra foto do Capitão Borges, nosso comandante. Eu, irônico, soltei:

    — Amigo, cuidado. Dizem que o Borges é stalker de piloto. Fica de olho.

    Ele retrucou na lata:

    — Ai, Emeneses! Você é ridículo. O Borges é meu amigo. Eu gosto dele e ele de mim. Vai cuidar da sua vida!

    (Repare: já era tanta intimidade que o “Capitão” virou só Borges. Daqui a pouco seria “Borginho”.)


    O telefonema

    Eu tenho faro pra encrenca. Quase uma Márcia Sensitiva, versão masculina e grátis. Erro às vezes? Claro. Mas quando meu radar apita, pode escrever: vai dar ruim. Não é superpoder, é sobrevivência.

    Problema é que eu falo com soberba e deboche (tô pagando terapia pra isso). Meu terapeuta já comprou carro híbrido só com meus boletos.

    Numa noite, Alisson chega todo delicado, faz café. Eu desço pros meus 30 minutos correndo: jantar, escovar os dentes, encarar seis andares de escada e, claro, retocar o laquê. Prioridades.

    Às 19h, estou sentado controlando o navio. Alisson, feliz, mexendo nos relatórios. O telefone toca.
    No visor: cabine do comandante.

    — Bridge, Emeneses. (Atendi formal.)
    — Cara, pede pro Alisson apagar a postagem do Facebook. Ele tá em serviço.
    — Ok, comandante.


    O troféu final

    Ali eu tremi de emoção. Não era castigo pro meu amigo, não. Era o show que eu estava esperando.

    Chamei Alisson com calma, mas por dentro eu dançava axé. Quando ele chegou perto, soltei com a classe de um maestro:

    — Alisson, o Capitão Borges… o seu brother do Facebook… pediu pra você apagar a postagem. Agora.

    A cara dele? Mistura de surpresa e ódio. Resmungou que ia bloquear o Borges, que não esperava, que blá-blá-blá.

    Eu fiquei só segurando o sorriso. Aí, com a seriedade de quem entrega sentença final, falei:

    — Eu avisei, amigo. Bem que eu te avisei.

    E, sim, com todo o respeito.