Anabela, aos 30 anos, era a prova viva de que o mundo, às vezes, se fecha para quem se vê belo demais. Ela olhava a vida através do espelho de uma vitrine barata, e o que via era suficiente. Seus olhos, firmes e cheios de astúcia, não buscavam a inteligência, mas a confirmação de sua própria beleza. Como uma flor que se apaixona pelo próprio perfume, ela se bastava. Tinha a certeza arrogante da imortalidade. A voz, uma sinfonia de si mesma, não abria espaço para a música do outro. E assim, sem perceber, ela transformava a solidão em seu jardim particular, onde nenhuma amizade florescia.
Eu, um menino de 10, a via de longe. Ela era ímpar, uma mulher que parecia pertencer a outro tempo, um tempo onde a beleza era a única moeda. E eu, na minha inocência, sentia uma ponta de melancolia. Não pela beleza dela, que era evidente, mas pela solidão que, para mim, já estava escrita em suas entrelinhas. Era como um livro de capa linda, mas com as páginas em branco.
O tempo, esse professor implacável, não pediu licença. Ele seguiu, e eu, junto com ele. Aos 40, eu me reencontrei com a história de Anabela. Ela agora tinha 60. A vitrine barata se tornara a janela de um carro em uma manhã chuvosa. O reflexo não mais a embelezava, mas a revelava. A beleza, essa visita breve e fugaz, já tinha partido, deixando para trás a velhice, a doença, a fragilidade. Os olhos, antes firmes, agora eram poços de uma tristeza que parecia ter a idade do mundo. A voz, antes tão alta, havia se calado. A eternidade, sua grande amiga imaginária, se mostrou uma mentira. E o tempo, que ela tanto ignorou, agora, cobrava a conta.
Anabela partiu sozinha, com 61 anos, em um silêncio que ecoava os anos de palavras não ouvidas. Sua vida, uma crônica da vaidade, foi uma lição que aprendi de longe. A beleza envelhece, mas a alma, se cultivada, pode se tornar uma fonte eterna. Ela escolheu a beleza e, no final, colheu a solidão. Ficou a janela, e a lembrança de que a vida, quando vivida apenas para o reflexo, acaba se tornando um borrão de chuva.

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